quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A liberdade de Imprensa e o fenômeno midiático

Advogados

Gustavo Peixoto, Gustavo Ribeiro e Diego Fráguas
Rua Mons. Gaspar Sadoc, 5, Sala 06
Telefone: 75 - 3241-6957
 
 
 



Antes de abordar a questão da liberdade de imprensa, não podemos prescindir de prestar nossa singela homenagem a esse jornal, que, de brava maneira, vem, quase que isoladamente, por muito tempo, cumprindo seu fiel papel de instrumento de comunicação, sem apego aos sensacionalismos, seguindo sempre uma abordagem escorreita e comprometida com o dinamismo social de nossa cidade. É dessa forma que desejamos feliz aniversário ao Trombone pelos 10 anos de lançamento de sua primeira edição, oportunidade em que parabenizamos, também (e por que não?), o seu editor-chefe, o Sr. Aloísio Lago, pelo esforço despojado na construção de uma marca dotada de seriedade e compromisso social.

Ao falar da liberdade de imprensa, em que pese, uma garantia constitucional, é mister, primeiramente, não olvidar para o seu significado. Pode-se afirmar que a imprensa nada mais é do que o conjunto de veículos de comunicação informativa, se opondo aos meios de comunicação com atribuições meramente propagandistas ou de entretenimento.

No Brasil, o surgimento da imprensa se dá junto ao episódio da chegada da família real ao país em 1808, oportunidade em que o príncipe-regente Dom João, cria a Impressão Régia, atual Imprensa Nacional. Até então, era proibido qualquer tipo de publicação feita na colônia, o que, aliás, se apresentava como uma peculiaridade da América Portuguesa. E é assim que vem sendo o a história da imprensa no Brasil, que vive momentos de extrema liberdade, intercalados por tempos de impiedosa censura.

A própria Imprensa Régia era submetida à chamada censura prévia, quando uma comissão formada por três pessoas, era escolhida para o desiderato de fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes. Mas o momento de maior repressão sofrido pela imprensa no Brasil foi justamente a Ditadura Militar, na qual, não apenas a imprensa, mas toda manifestação contrária ao regime militar, inclusive artística, era reprimida, censurada.

Hodiernamente, a imprensa vive o auge de sua liberdade no Brasil, chegando a ser apontada por alguns críticos como o 4° poder. Vestidos de uma armadura na qual se borda o art. 220 da Constituição Federal de 1988, muitos jornalistas seguem ferrenhamente o modelo de imprensa marrom, indo além do que se espera de sua função, transformando o dia-a-dia da população brasileira num picadeiro, no qual eles apontam quem são os palhaços e manuseiam os malabares como bem entendem. Isso se dá devido à aparição do chamado espetáculo midiático, fenômeno que surge disfarçado de jornalismo com o exclusivo animus de atender aos interesses comerciais daqueles que detêm os principais meios de comunicação. Essa forma de “jornalismo” tende a escolher fatos tidos como bombásticos, nos quais pessoas são tratadas como personagens de uma trama de terror e os seus sentimentos são usados como o ingrediente principal de uma narrativa novelística. Tudo isso gera muita audiência, mas não se deve esquecer que também interfere de forma incisiva na vida dos envolvidos, podendo torna-se o principal móvel de grandes injustiças. Estaria, essa liberdade, cumprindo o fim para o qual foi criada?

Um grande exemplo nacional do fenômeno midiático foi a cobertura do Caso Nardoni. A disputa de audiência entre duas das principais emissoras da TV brasileira fez com que o caso se transformasse num verdadeiro reality show, com câmeras direcionadas não só para os sujeitos do crime, mas também para suas famílias. Foi montada uma arena onde de um lado se posicionavam os vilões, o casal Nardoni, suas famílias e seus advogados, e do outro lado uma “liga da justiça”, composta pela mídia, pela Polícia, pelo Ministério Público e pela parte materna da família da menina Isabela Nardoni. As linhas de ataque do lado “mocinho” desse filme se baseavam em permissões dadas pela Polícia para que a mídia participasse de uma fase sigilosa da persecução penal, que é o Inquérito Policial; declarações do Promotor de Justiça acentuadas pela pretensão de tornar-se o novo herói da nação; e entrevistas com a mãe da vítima mostrando todo o sofrimento pelo qual passou e todas as outras angustias vindouras. Em um cenário como esse não há espaço para contraditório. Apenas um lado pode atacar, o que se reveste de uma demasiada covardia. Até um respeitável intelectual brasileiro, jornalista e cineasta, posou de super-herói em uma crônica lida por ele mesmo no telejornal de maior audiência da madrugada da TV brasileira, momento em que colocou em debate o direito de defesa do casal, tentando fazer com que a população se insurgisse contra uma das maiores conquistas do Direito Penal de todos os povos.

É de se notar que o fenômeno midiático tem como público alvo as classes mais baixas da população, uma vez que outros segmentos sociais já migraram para meios de comunicação mais fidedignos, como a TV a Cabo e a Internet. Essa é a estratégia de programas “indigestos” que curiosamente são apresentados no horário do almoço. Eles tentam fazer das suas apresentações um espelho da vida cotidiana das classes de menor renda, apelando para o ferimento da dignidade das pessoas. É comum ver nesses programas os repórteres em plena Delegacia humilhando suspeitos recém capturados por agentes policiais. Eles fazem piadas, ameaçam e muitas vezes antecipam o trabalho do Delegado, interrogando ali mesmo, ao vivo, os supostos criminosos. Não respeitam a presunção de inocência que todo cidadão tem até sentença condenatória transitada em julgado. Ninguém pode ser obrigado a passar por isso. Não há no Código Penal nenhuma pena que submeta um criminoso a ser humilhado sob os olhos de milhões de telespectadores.

Por isso, todos devem ter em mente que o exercício concreto da liberdade de expressão assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contudo, ressalte-se, de modo responsável, sem denegrir e humilhar o próximo.

A liberdade de expressão pela imprensa, ainda que tenha como premissas o Estado Democrático de Direito, o pluralismo político, interesse público, social e político, deve respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, em todos os seus aspectos, inclusive a imagem, a honra e a vida íntima de qualquer cidadão, com respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Como corolário do direito de liberdade de expressão, a liberdade de imprensa é direito fundamental garantido e tutelado em sede constitucional, e dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, tem: (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.

Esse direito de crítica é inerente à livre manifestação da imprensa, contudo deve ser feito de forma responsável, proba, tendo em vista que tal direito fundamental, como qualquer outro, não se reveste de caráter absoluto, isto é, deve estar em equilíbrio e harmonia com todo o sistema jurídico, respeitando os demais direitos fundamentais. Nunca deve ser considerado, a priori, como um “direito de maior valor” do que outro, mas sempre da análise do fato concreto, caso a caso.

Ressalte-se, não se quer falar em censura! O que se aventar, são os limites aos abusos cometidos pelos veículos de informação que se autodenominam imprensa. O que se debate aqui, é o papel da imprensa responsável, comprometida em informar e não em vender.

Assim, desde a declaração de inconstitucionalidade da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal, não há no país qualquer tipo de regulamentação da atividade da imprensa. Seria a hora de repensar essa liberdade? Uma nova lei poderia prorrogar essa garantia e ao mesmo tempo dar um freio nessa série de abusos? Ficamos com a célebre frase de Lacordaire – “Entre o forte e o fraco, a liberdade escraviza e a lei liberta”.

Nenhum comentário: