terça-feira, 8 de março de 2011

A conduta do usuário diante da lei de drogas



O tema abordado nessa edição diz respeito ao debate trazido com às alterações no Direito Penal, introduzidas pela Lei 11.343/06. A famosa Lei de Tóxicos, fez surgir no arcabouço jurídico brasileiro algumas celeumas que, até então, estão longe de serem dirimidas. Talvez a mais recorrente, sem embargo de não ser a mais importante, seja a mudança em relação ao tratamento dado à pessoa que possui, para consumo próprio, substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo com a lei.

A pertinência da questão gira em torno da suposta descriminalização da conduta efetivada pelo art. 28 da citada lei. É sabido que grande parte da população tem dificuldades em precisar a mens legis. Por conta disso, referindo-se ao assunto em foco, é comum ouvir nas ruas coisas como: “Não já sabe? Agora fumar maconha não é mais crime”. Uma analise mais aprofundada do tema, porém, nos permite afirmar que não é tão fácil identificar que há no espírito da Lei de Toxicos a intenção de descriminalizar a conduta do usuário.

Ao passo que a antiga lei previa a cominação de pena privativa de liberdade para os possuidores de drogas para consumo próprio, a norma em questão prevê para o tipo as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida de comparecimento a programas ou cursos educativos, deixando de lado qualquer possibilidade de prisão do infrator. O fato de não impor mais, para os infratores dessa categoria, o encarceramento, nos dá a impressão de que crime não há.

É imprescindível, no entanto, para chegarmos a uma conclusão, que nos remetamos para o conceito de crime. O art. 1º da Lei de Introdução Código Penal (LICP) conceitua "crime" como a infração penal punida com pena de reclusão ou detenção, de modo isolado, alternativo ou cumulativo, com multa. O mesmo artigo ainda estabelece ser contravenção (o conhecido "crime-anão", nas palavras de Nelson Hungria) a infração a que a lei comina prisão simples, ou multa, ou ambas.

Parece merecedor, então, dizer, de acordo com a análise do conceito de crime, que a conduta do art. 28 não pode ser considerada crime. Entretanto, há de se refutar tal posicionamento. A LICP não é uma lei acima do restante do ordenamento jurídico e quando existe conflito entre leis de uma mesma escala hierárquica (no caso duas leis ordinárias), resolve-se o caso pela aplicação de um princípio clássico do Direito Penal: “lex specialis derogat lex generali”(a lei especial derroga a lei geral).

Sabe-se que a LICP é lei geral e estando em confronto com a Lei de Drogas, sendo esta lei especial, haja vista que regulamenta matéria específica, resta derrogada pela simples aplicação do princípio acima exposto.

Ademais, embora concordemos que o tratamento dado ao usuário de drogas pela nova lei, aparentemente legítima a prática da conduta, não há que se desconsiderar que, assim como qualquer outro conceito jurídico, o conceito de punição penal deve evoluir com a sociedade. A pena privativa de liberdade ou a multa não podem ser consideradas as únicas sanções criminais. O crime não deve ser conceituado pela cominação penal ao qual está submetido, mas sim pela vontade do Estado em considerar tal conduta como criminosa.

Por essa razão deve-se considerar que a conduta do usuário continua sendo um tipo penal, uma vez que A própria Lei de Drogas, considerada para tanto a vontade do Estado, a coloca no Capitulo III que recebe o título Dos Crimes e Das Penas. Além disso, a própria Suprema Corte deixou claro que o surgimento do art. 28 de Lei 11.343/2006, não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal.

Parte da doutrina, liderada pelo festejado Luis Flávio Gomes, entende que o dispositivo em comento, alterou a estrutura bipartida da Teoria do Crime, criando a chamada infração sui generis que passa a figurar junto com o crime propriamente dito e a contravenção penal como espécie do gênero infração penal.

Com a devida vênia, entendo que não merece guarida tal argumentação. Por primeiro, a regra geral é a de se considerar como crime qualquer tipo de infração penal, estando as contravenções penais delimitadas em lei especial e não existindo qualquer lei que abrigue a suposta infração suis generis como compartimento estanque na estrutura do crime. Por segundo, as sanções previstas no art. 28 da Lei de Drogas, devem, necessariamente ser aplicadas por juiz criminal, sem falar na obrigatoriedade de observância do devido processo legal.

À guisa de conclusão, mister se faz esclarecer que o legislador ao editar a Lei 11.343/2006 tentou proteger o usuário de droga, estabelecendo medidas alternativas no preceito secundário do art. 28, o que deixou patente a sua intenção de dar, ao portador de substância alcalóide, tratamento diferenciado com relação a outros tipos de criminosos. Essa iniciativa visa a uma reintegração social mais célere para esse tipo de infrator.

É de salientar, entretanto, que não houve abolitio criminis, tampouco a criação de uma nova modalidade de infração penal. Há, sim, na conduta do usuário, um crime que elege uma sanção alternativa como forma de reprimenda.

Nenhum comentário: