terça-feira, 8 de março de 2011

Em foco nossa cultura - Ninho Nascimento - Entrevista

Pe. Rogério Marcos

Padre conte-me um pouco da sua história:

Sou da cidade de Astorga, no Paraná, nasci em 18 de junho de 1975, minha mãe é mineira e meu pai paranaense. Igreja, eu sempre participei, desde pequeno vivi todos os caminhos, batismo, catequese, primeira comunhão, crisma e também na comunidade, logo cedo comecei a participar do que chamamos de igreja de base que aqui na Bahia foi forte, mas não com a estrutura que tem no sul, que vem do movimento da filosofia da libertação que no Brasil, em especial no Paraná foi muito forte por ser uma igreja nova. Aqui na Bahia você tem uma tradição onde tudo já estava bem estruturado, então pra SEBIS penetrar nessa estrutura é muito mais difícil... Desde cedo entendi que ser igreja é você estar na rua, é você testemunhar o Cristo nas coisas mais simples do dia a dia, é lutar por aquele que não tem nem voz, nem vez. Digo os pobres porque venho de família muito simples e comecei a entender isso pela vivência de casa. Logo após a separação dos meus pais fui morar em Londrina, eu tinha treze anos e morei lá por dois anos. Comecei a trabalhar muito cedo, com 14 anos já tinha até carteira assinada com o registro de pequeno aprendiz, numa fábrica de celas de arreios para cavalos; ainda em Londrina trabalhei numa carvoaria, empacotando carvão, numa fábrica de estofados e em seguida fui pra São Paulo morar numa cidade chamada Santa Isabel que inclusive tem uma geografia muito parecida com Santo Amaro e a mesma relação que tenho, hoje, por aqui, tenho em Santa Isabel, de conhecer as pessoas, de estar nas ruas, visitar as casas, me identifiquei muito com Santo Amaro por causa dessa semelhança de lá que acabou sendo um amor paralelo. Em Santa Isabel comecei a trabalhar num abrigo pra idosos e foi uma experiência muito boa! No princípio foi difícil porque eu tinha apenas 15 anos e a responsabilidade de cuidar de 30 homens idosos, das sete da manhã às 15 horas. À noite eu ia para a escola. Amadureci muito neste período e pude começar a entender um pouco do processo da vida. Foi o abrigo que foi me levando para o caminho religioso. Já adulto fiz o curso de técnico de enfermagem pela faculdade São Camilo, trabalhei ma Beneficência Portuguesa de São Paulo, trabalhei também no Hospital das Clínicas, No Emílio Ribas, um hospital de infectologia, tenho uma grande experiência na área de saúde, de enfermagem e foi aí que descobri os padres camilianos, na congregação de São Camilo de Lélis que tem um trabalho específico em hospitais, foi daí que veio o desejo forte de ser padre.

Como o senhor veio parar em Santo Amaro?

Fiz filosofia com os camilianos, em São Paulo e quando terminei os estudos na UNIFAE, comecei a fazer um caminho de discernimento porque o padre tem um trabalho específico, cada congregação trabalha em uma missão específica, camilianos nos hospitais, franciscanos nas escolas e nós, os padres diocesanos que estamos ligados a um bispo que cuidam de paróquias, é o meu caso e o de monsenhor Walter. Quando terminei o curso pedi a um professor da arquidiocese de São Paulo, padre Fernando que inclusive tem um programa na Rede Vida, que me indicasse para a arquidiocese de São Paulo. Três dias depois o cardeal Dom Geraldo Magella pede para sua secretária me ligar pedindo toda minha documentação para fazer a minha matrícula em Teologia e também no seminário central da Bahia. Eu disse à senhora que havia um engano, pois nunca havia entrado em contato com o cardeal, não conhecia a Bahia, nem tinha pretensão de vir pra cá. Depois, conversando com padre Fernando descobri que foi ele quem indicou ao cardeal a minha vinda para cá, dizendo-me que o Espírito Santo me recomendou a Bahia, alegando ser o melhor lugar para mim e assim liguei de volta pedindo desculpas, enviei a documentação e esse foi o melhor presente que Deus poderia ter me dado. E nesse processo tem algo que é muito particular: cheguei aqui no dia 02 de fevereiro de 2000 sem mesmo saber dessa história da Festa da Purificação em Santo Amaro. Cheguei, fui pro seminário e fiz todo o processo de estudos de Teologia na arquidiocese de São Salvador, no último ano do seminário fui para a paróquia de Nossa Senhora dos Alagados que é onde o Papa João Paulo II inaugurou um belíssimo templo, onde também esteve, Madre Tereza de Calcutá e a nossa querida, amável e muito em breve Beata, Irmã Dulce. Então, é uma paróquia muito fértil, de presenças fortes e eu tive a graça de morar naquele lugar. Quando me tornei padre, Dom Geraldo me nomeou vigário da paróquia de Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora da Purificação e sendo assim, mais uma vez, Santo Amaro não foi escolha e sim, presença de Deus.

Uma das coisas que me encantam aqui na Bahia é que ricos e pobres vivem a mesma experiência, é muito comum você encontrar numa festa pessoas de todas as classes sociais, até mesmo numa festa em casa como o aniversário de dona Canô, por exemplo. Lá estão todas as classes sociais e todos foram convidados. Isso no Paraná não existe, as coisas por lá são muito claras, ricos com ricos, pobres com pobres e a igreja no Paraná, desde cedo procurou mostrar que essa diferença social não era justa...

Como é a sua relação com a nossa cidade e a comunidade católica?

Excelente! Ainda mais agora que sou santamarense de fato e de direito, depois de ter sido agraciado com o título de Cidadão Santamarense pela câmara de vereadores, tendo como proponente o vereador César do Pão. Mas esse título para mim é uma conseqüência de 4 anos de vivência e de entrega total a esta cidade. Eu vivo Santo Amaro! Vivo cada momento, cada casa, cada família, cada bairro, cada distrito dessa cidade, eu não estou aqui passando dias, eu realmente vivo aqui.
Sendo um padre jovem, o senhor tem uma linguagem que aproxima o jovem à igreja, fale-me um pouco desse trabalho com a juventude santamarense:

Olha, eu tive a graça aqui em Santo Amaro de fazer experiências em todas as paróquias. Vim como vigário do Rosário e da Purificação, depois me tornei pároco de Oliveira e vigário do Rosário, depois pároco do Rosário e tenho a graça de ajudar, sempre que posso, a nova paróquia que é a da Soledade, em Acupe. Tenho um bom domínio da cidade, estou presente em todo o município e conheço bem todas as paróquias, por isso digo que as celebrações que estou presidindo não são diferentes das que padre Fenelon celebrava, não mudo uma vírgula, porém, a própria igreja fez uma mudança natural, os cânticos principalmente e digo que as pessoas que vem hoje à igreja, elas não vem apenas por devoção ou obrigação, vem por prazer, elas vivem a comunidade e isso faz com que as celebrações sejam mais vivas. Agora, infelizmente, eu ainda não atingi os jovens dessa cidade, o que temos hoje na igreja é um número maior de famílias, de casais, de pessoas de meia idade, principalmente aqui no Rosário existe uma atração muito maior para as pessoas acima dos trinta anos, são pessoas que começam a ter mais maturidade na fé e entender o dinâmico de ser igreja que é um caminho que venho fazendo. Eu gostaria que os jovens estivessem mais presentes, às vezes as pessoas criticam dizendo que a igreja tem uma mentalidade antiga, dizem que as coisas são arcaícas... hoje a paróquia tem um padre de 35 anos, que vive a experiência de estar nas festas, de fazer Lavagem, de ter um fácil acesso e mesmo assim os jovens não vivem a responsabilidade de ser igreja, do seu batismo.
Perguntei ao padre Walter e também gostaria de ouvir a sua opinião sobre a escalada da igreja Universal e em contra ponto, o declínio da igreja Católica...

Se a fonte dessa pesquisa for séria e mostrar um potencial maior de crescimento para a igreja Universal, eu não me escandalizo com isso porque o que a igreja Católica hoje não consegue fazer é evangelizar os seus, temos um grande número de católicos que ainda não foram evangelizados. Se você olhar nos livros de batismo de todas as igrejas, a quantidade de crianças que são batizadas anualmente é um número muito grande, mas infelizmente no decorrer do crescimento dessas crianças, elas não são acompanhadas porque seus pais batizaram essas crianças mais pela tradição e não pelo compromisso com a igreja. Hoje em dia os adeptos das igrejas protestantes, ou evangélicos, crentes, eles mudam com muita facilidade de uma religião para a outra, mas não cabe a nós fazer qualquer tipo de análise a essa situação, mas quem nasce católico e que vive essa fé verdadeiramente, vai ser católico pro resto de sua vida. O que precisamos fazer não é se preocupar se estamos crescendo ou diminuindo, é fazer com que aqueles que são batizados na nossa igreja possam viver a sua fé até o fim de vida. Mas respondendo diretamente a pergunta, não acredito no declínio da igreja Católica e o povo de Deus sabe bem diferenciar o joio do trigo, por exemplo, aqui em Santo Amaro não acredito que a igreja esteja desacreditada, muito pelo contrário, a fala da igreja tem muita força na cidade, se não fosse assim, a fala de monsenhor Walter durante toda a festa de fevereiro não incomodaria tanta gente como incomodou e até fez com que a prefeitura pudesse repensar um pouco a própria essência da festa e assim é em tantas outras cidades.

Já houve em algum momento o sentimento de arrependimento pela opção de vida escolhida?

Primeiramente sacerdócio não é profissão, pra mim é um ministério, vai além profissão. Seja qual for as nossas escolhas, no decorrer da vida estamos sempre refletindo sobre elas porque é necessário. Será que estou fazendo isso bem? Será que estou sendo bom pai de família? Será que estou sendo um bom médico? Eu também tenho que fazer esta avaliação constantemente. Será que estou sendo um bom padre? Estou vivendo aquilo que realmente era o meu propósito e o propósito de Deus? Não é um arrependimento, mas sim uma reflexão que tem que ser feita todos os dias.



Pe.Rogério, o senhor é um padre jovem, bonito, muito carismático, bem afeiçoado. Já aconteceu de alguma fiel confundir o seu trabalho na igreja e se insinuar ou mesmo se declarar apaixonada pelo senhor?

As relações humanas passam pela afetividade. Não existe nenhuma relação que não seja afetiva, a não ser a moça do balcão da farmácia, do supermercado, mas mesmo essas quando eu vou benzer uma loja, sempre digo: olha, você pode melhorar o dia de uma pessoa apenas com um sorriso ou um bom dia; passe um pouco de afetividade também que com certeza essa pessoa vai retornar várias vezes... Na vida sacerdotal não é diferente. As pessoas chegam aqui muitas vezes carentes e essa carência não é uma carência sexual, mas é a carência de um sorriso, de um abraço, de uma escuta, nós somos seres do querer, do desejar, do amar, precisamos disso. Precisamos de um elogio, de abraços, de motivação e na igreja as pessoas encontram isso, ainda mais comigo; eu vivo muito essa afetividade, eu sou muito afetivo e depois com 1,96 metros de altura, não tem quem não seja bem abraçado por mim. Então, essa afetividade passa pela vida humana; comigo não vai ser diferente. Eu acredito que sou muito amado nessa cidade como sou muito amado pelos meus paroquianos; é amor mesmo! De vir, me abraçar, de querer estar comigo, crianças, mulheres, homens, idosos... Agora, se esse amor ultrapassa o amor entre padre e fiel, eu não tenho como controlar porque qualquer um tem a possibilidade de amar, mas o fato de alguém revelar ao padre Rogério que está me amando, não significa que eu deva corresponder esse amor do mesmo jeito que a pessoa deseja. A pessoa pode me dizer com a maior tranqüilidade que está apaixonada por mim, que me ama. Vou escutar, vou acolher e vou dizer: que bom, se o amor está lhe fazendo bem continue amando, mas isso não significa dizer que a partir do momento que uma pessoa revela seu amor por um padre isso tem que ser mudado, correspondido...


Nenhum comentário: