terça-feira, 8 de março de 2011

Edney Santana

"Somos tão jovens"

Gostava de passar as tardes no chafariz da Purificação com alguns amigos, quase sempre tocando violão e bebericando vinho barato, à noite nunca deixei de ir estudar no Teodoro Sampaio. Nos anos de 1990 o Teodoro fervia, tinha quase dois mil alunos, havia o grêmio estudantil (o qual fazia parte), uma infinidade de bandas formadas pelos alunos, bandas que iam de axé ao rock e é claro eu tinha minha banda de rock a “Flor Marginal”.

O Teodoro era palco para todas manifestações juvenis, mas não era fácil, assim com Santo Amaro, o Teodoro daquela época era dos sobrenomes, das famílias (embora decadentes), “ilustres”. Então tudo que fazíamos era: medíocre, desorganizado, éramos feios, eram os “silvas” os “santos”, tínhamos os pés nas senzalas e não na casa grande.

Sentar no ilustre chafariz e beber vinho barato podia ser sim um encontro com a nossa ancestralidade que até hoje lutamos para afirmá-la como parte essencial na construção deste país, afinal cada peça histórica guarda o sangue e suor de duas civilizações mutiladas: a indígena e a negra.

E o tempo passou... Dos meus amigos de geração em Santo Amaro ficaram pouquíssimas pessoas, a maioria foi embora. Dessa geração que estudou no Teodoro e gostava de beber, tocar violão no chafariz saíram metalúrgicos, músicos, pintores industriais, advogados, químicos, professores, escritores, comerciantes, motoristas, feirantes e marceneiros.

Nesse exato momento no qual a cidade ganha uma nova Praça da Purificação, minhas memórias vão ficando para trás, a velha praça, mesmo tombada, desapareceu (o que deveria ser restaurado foi destruído), mas agora mesmo enquanto o povo se encanta com as novas luzes dezenas de jovens santoamarenses estão indo embora, não terão saudades ou lembranças nem mesmo dessa nova praça porque Santo Amaro com praça ou sem praça continua sendo uma cidade sem alternativas para a juventude e um perigoso lugar para se envelhecer já que nem geriatras temos aqui.

O futuro nos chama cada vez mais para longe. Franklin Romão, um escritor santoamarense que viveu apaixonadamente sua juventude, escreveu em seu livro-Quando o açúcar era doce-: “Santo Amaro é o melhor lugar do mundo para quem não tem compromisso algum com o futuro”. Isso é triste, mas ainda é uma realidade nos nossos dias nos quais nossos irmãos, filhos, namoradas, amigos, maridos vão cada vez mais cedo embora tentar a sorte em Camaçari, Salvador ou Feira de Santana.

Sinto saudades do Teodoro, sentar na rampa e tocar violão até os dedos doerem, depois ir para a praça beber vinho, recitar poemas, mas nunca, nunca fazer mal a ninguém. A juventude é por excelência o encontro de todas as paixões, um cruzamento de emoções que vão definir e marcar para sempre nossa personalidade. O erro é sempre o mesmo: achar que nesse momento de profunda beleza e revelação do ser humano consigo mesmo ele está perdido e precisa ser controlado, orientar deveria ser a palavra, controlar nunca.

A ignorância imposta pelo regime governamental do país através de um sistema educacional baseado em aberrações pedagógicas vem contribuindo e muito para o desalento social de parte importante da nossa juventude. O aumento no uso de drogas ilícitas, o abuso do álcool entre a população mais jovem é agravado pela ausência de políticas públicas que deveriam facilitar a essa juventude explorar suas potencialidades, no máximo cada jovem é apenas um número que representa verbas dos fundos mantenedores do sistema público de ensino, as quais não raro são desviadas sistematicamente fazendo a alegria de quadrilhas organizadas protegidas por um emaranhado de leis cretinas quase sempre idealizadas por criminosos protegidos por mandatos eletivos, criminosos que são também financiados pela narco-política a qual age como mecenas desses ilustres representantes da nossa democracia de papel.

No último PISA (índice que avalia a educação em todo mundo) os estudantes do Brasil ficaram em 53º lugar em leitura e 57º em matemática e 53º em ciências. Mas não se iluda, a tragédia educacional juvenil não é igual em todo país, ela se aprofunda e muito no nordeste. É preciso uma sólida reserva de miseráveis para que o poder se perpetue entre mesmos grupos políticos com alguma alternância, os miseráveis é que são sempre os mesmos e não raro atendem pelo nome de povo, e o povo pode ser tudo menos cidadão, quem manda sabe muito bem disso. No entanto parte do povo não é vítima é cúmplice disso tudo, utiliza o título de eleitor como cartão de crédito, nega a própria cidadania em troca de migalhas de sub- existência.

A juventude tem o poder de se reinventar. Um dia jovens meninas saíram às ruas e fizeram a revolução sexual, com o anticoncepcional passaram a ser donas do próprio corpo, um dia jovens cabeludos disseram não! E se recusaram a lutar em guerras, um dia jovens estudantes disseram não! E acabaram com a ditadura militar no país. A estupidez e a ignorância não podem vencer a alegria de ser sempre e para sempre como cantou Bob Dylan, Jovem!!!!

Contatos com o autor: http://cartasmentirosas.blogspot.com

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