segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Herculano Neto



UM BEMBÉ PRA CHAMAR DE SEU 

Não faz muito tempo, tive dificuldade para encontrar companhia para ir até ao Bembé do Mercado. A festa, que sempre me agradou, era vista com excessivo desdém e preconceito. Sem alternativa, fui sozinho - mais uma vez.

Agora, para minha surpresa, o Bembé ganhou o interesse nacional, passou a ser visto com entusiasmo, com zelo. Agora, todos têm o que contar sobre o Bembé, conhecem sua história, são habitués. Agora, o Bembé, como num conto de fadas, deixou de ser o patinho feio dos festejos municipais. Agora, Santo Amaro se tornou o baluarte da libertação dos escravos, esquecendo, completamente, que num ato infeliz (para dizer o mínimo), sua elite social, mais conhecida por equivocados títulos de ruas (Barão de Sergy, Barão de Vila Viçosa, Visconde de Ferreira Bandeira, entre outros) fundou uma liga contra a abolição da escravatura. Agora, o Bembé é história viva da cidade, ainda que as publicações mais célebres, e mais requisitadas pelos estudantes em nossas bibliotecas, sobre a história santoamarense, ISTO É SANTO AMARO, de Zilda Paim, e MEMÓRIA HISTÓRICO-GEOGRÁFICA DE SANTO AMARO, de Pedro Tomás Pedreira, sequer mencionem o Bembé do Mercado.
Curiosamente, a canção “13 de Maio”, de Caetano Veloso, tem sido, não sei se por falta de opção, frequentemente associada à festividade. A letra, com seu pretérito imperfeito, é toda feita de lembranças: Dia 13 de maio em Santo Amaro/ na Praça do Mercado/ os pretos celebravam/ (talvez inda o façam)/ o fim da escravidão. Emblemático é o verso que Caetano, habilmente, reveste entre parênteses. Utilizar o subjuntivo, ao invés do presente do indicativo, não atesta, necessariamente, uma possível falta de informação, esse não saber somente confirma seu despertencimento – embora, amiúde, ele seja convidado a prestar depoimentos sobre essa festa. Por isso, me espanto quando vejo representantes do seu clã lançarem, simultaneamente, livros considerados “únicos” sobre o assunto. Único, aliás, parece ser a adjetivação mais utilizada para se referir ao Bembé: único Candomblé de rua do mundo, única comemoração da assinatura da Lei Áurea em todo Brasil. Só não é única a maneira como os oportunistas tentam se aproveitar dessa manifestação centenária. Pululam pela imprensa, durante as primeiras semanas de maio, pessoas absolutamente alheias ao Bembé, que se transvestem de íntimos e exímios conhecedores, mesmo não convencendo ninguém. Quase todos, ao menos na pose, mais se aproximam dos senhores da casa-grande do que dos filhos da senzala, como se fossem, realmente, seus legítimos proprietários. 
Mas, afinal, de quem é o Bembé? 
Do povo de santo? Dos pretos? Do samba? Do Ministério da Cultura? Da família Velloso? Do movimento negro que prefere comemorar o dia da consciência negra? Dos oportunistas? Dos santoamarenses? De sua gente mais simples? De sua gente mais mesquinha? 
Desse jeito, apenas posso crer, que o Bembé não é único, são vários. Cada um com o seu. 

Herculano Neto - Poeta e ficcionista - mantém o blog POR QUE VOCÊ FAZ POEMA?

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