quinta-feira, 5 de maio de 2011

Advogados Associados

Qual a relação entre Realengo e o Estatuto do Desarmamento?


Após a tragédia ocorrida há três semanas numa escola em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde um jovem de 23 anos, ex-aluno e suposto portador do vírus HIV, em posse de dois revolveres calibre 38, invadiu o estabelecimento e realizou uma estarrecedora chacina, deixando 11 crianças mortas e 13 feridas e sendo “legitimamente” assassinado, no curso de sua ação, por um Sargento da Polícia Militar, foi reacendido o debate acerca da proibição de comercialização de armas de fogo no Brasil. Por conta disso, não podemos passar de largo sobre esse tema e devemos esclarecer que tipo de relação o fato guarda com a política estabelecida em lei federal que trata da problemática das armas.
É no calor dos disparos de Realengo que políticos e setores oportunistas da sociedade  revivem um debate já vencido, tentando empurrar na goela da população brasileira a possibilidade de um novo referendo, pegando carona na comoção decorrente do ato bárbaro praticado pelo Sr. Wellington Menezes de Oliveira.  Em meio a este tumulto existem, também, juristas propondo que o cerne do problema se encontra na quantificação da pena para aqueles que portam armas de fogo ilegalmente, insinuando que um rigor maior ao se castigar os infratores dessa natureza, poderá fazer diminuir a circulação de armas.
A bem da verdade, se faz oportuno, primeiramente, frisar o quanto a tentativa de induzir a população brasileira a se inclinar pelo impedimento total de comercialização de armas de fogo, se reveste de tamanho desrespeito à decisão soberana das urnas em 2005, quando obteve-se o resultado de 63,94% dos votos válidos contra o desarmamento. Devemos lembrar que naquele ano houve um grande debate nacional com total publicidade das duas campanhas (Sim e Não), com a obrigatoriedade de propagandas nos meios de comunicação expondo os argumentos contra e a favor do desarmamento. O resultado nós já sabemos.
No que concerne à pena prevista para o porte de arma ilegal, não obstante pareça salutar a idéia de maior rigor na sanção, com a devida vênia, acreditamos que tal caminho seja dotado de total ineficiência, uma vez que ao disparar uma arma de fogo, seja ela ilegal ou não, em direção a uma pessoa, praticando no mínimo uma tentativa de homicídio, o indivíduo já estaria sendo atingindo pela imposição de uma pena muito maior, sendo o crime menor (porte ilegal) absorvido pelo de maior amplitude. No entanto, os crimes contra vida acontecem numa escala crescente e com toda certeza nenhum criminoso dessa estirpe pensa na pena que sofrerá ao executá-los. Muito menos nos instrumentos de que farão uso, podendo ser uma arma de fogo, uma faca ou até mesmo sua própria mão. 
Toda essa onda de desarmamento faria sentido se fosse percebido que, no Brasil, o cidadão de bem conta com a eficiente proteção policial; que milhares de domicílios não são invadidos por marginais diariamente; e que todas as armas em posse de civis servem apenas para cair em mãos erradas e causar acidentes. Ademais, não se pode acreditar, que a política de total desarmamento irá atingir os traficantes que ostentam armas fruto do contrabando internacional e corrupção policial – as principais razões da violência no Rio e no resto Brasil. É mister entender que o problema das mortes por armas de fogo no país é causado, em sua grande maioria, por quem tem o direito/dever de usá-las (a polícia) e por aqueles que vivem à margem da lei (os bandidos) – e que portanto não seriam atingidos por uma imposição legal de desarmamento.
A necessidade faz o homem e ninguém pode negar o direito de um indivíduo que mora numa longínqua fazenda, ou até mesmo do comerciante que mora no andar superior ao de seu estabelecimento de se defender da incursão de marginais nas suas propriedades. Para tanto existe a lei que prevê os casos em que há a real precisão de possuir uma arma.
O Estatuto do Desarmamento (Lei Nº 10826/2003) é a lei federal que dispõe sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e está em vigor desde 23 de dezembro de 2003, dia subsequente à sanção do Presidente Luiz Inácio da Silva. Essa lei proíbe o porte de armas por civis, guardando exceção apenas para os casos onde existe permanente ameaça à vida da pessoa. De acordo, então, com a supracitada lei a regra é que apenas poderão andar armados os responsáveis pela garantia da segurança pública, os agentes de polícia, os integrantes das Forças Armadas, agentes de inteligência e membros de empresas de segurança privada. Os civis, entretanto, entrarão para esse seleto grupo mediante a concessão do porte da arma de fogo, que deve obedecer a uma série de requisitos legais, além do já mencionado. São os requisitos: comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal; apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei. Dá pra notar que o nosso assassino do Realengo dificilmente estaria portando, de forma legal, uma arma, o que apaga o nexo causal entre o fato e a legislação vigente.  
É de salientar que, embora seja a mola propulsora do renascimento dessa discussão, não creio que a causa da tragédia ocorrida em Realengo tenha sido o porte de arma em si, mas sim a pessoa que fez os disparos. Trazer o debate do “desarmamento”, diante desse caso que trouxe grande comoção, indignação, e demais sentimentos de repúdio a atitude tão vil como essa, não parece ser a solução, mas sim um desvirtuamento, e uma forma de tentar dar uma resposta simplória, para uma ação tão odiosa como a ocorrida. E as ditas “pessoas armadas” que cometeriam crimes, estas, não se submeteriam a chancela estatal de entregar livremente suas armas. Somente pessoas de bom senso, e que talvez nunca precisariam disparar sua arma, essas sim que devolveriam as armas de fogo. Aumentar o controle sobre quem porta arma, o rigor nos critérios para quem deseja ter o porte de arma, o combate e tentativa de retirar das ruas as armas ilegais por meio de uma fiscalização e repressão mais contundente, essas sim seriam medidas mais razoáveis. Já, outras como a mencionada, da tentativa de suprimir o direito de comercialização, são apenas midiáticas, ineficazes, e um engodo, com o fito de maquiar o verdadeiro problema.
Ressalte-se, por fim, que não fazemos campanha para que as pessoas se armem, defendemos apenas o direito daqueles que realmente possuem essa necessidade.

Diego Fráguas.
fraguasdoss@gmail.com

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