terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Edney Santana

AS FLORES PISADAS NO JARDIM


Era só mais um dia de trabalho, ela vendia seus doces, pobre como a maioria do povo, todos seus sonhos eram curtos: levar o pão para casa, o arroz e o feijão. Longe daquela praça, em um palácio homens “importantes” discutiam sobre poder e política, eram homens doentes, porque não sabiam sorrir, para mim todo ser incapaz de sorrir é um doente, doente perigoso porque também é incapaz de sentir a dor do próximo.

Uma pobre e indefesa criança de apenas sete meses de vida caiu ao chão, sua mãe uma vendedora de doces de apenas vinte anos de idade foi cravejada de balas por homens que disparam a esmo contra pessoas que estavam na Praça da Piedade em Salvador. Joseline Santos de Jesus Carvalho, morta quando amamentava seu filhinho, enquanto isso os homens poderosos e que não sabem sorri batem em uma mesa no palácio de Ondina, temem que a greve da PM atrapalhe o carnaval e afugente os turistas.

Quase duzentas pessoas foram mortas só em Salvador durante a greve da PM o mês passado, e a pior morte de todas: a incapacidade do povo de reagir diante ao desastre político de um governo que não entende a língua de quem sofre, a aceitação da dor e da humilhação como coisas normais.

O discurso do governo era tão somente com a preocupação em realizar um carnaval “seguro” para os turistas. A maioria dos artistas da música baiana se calaram diante ao horror da matança nas ruas da capital, alguns demonstram preocupação apenas com seus shows cancelados e também com o carnaval.

Boa parte desses artistas da chamada música baiana são patrocinado pelos governos e entre a dor do povo e suas contas bancárias preferiram sorri para seus extratos e calaram-se, não usaram do poder que têm para denunciar ao país o que acontecia na Bahia, foram cúmplices das desgraças que tanta dor causou ao povo invariavelmente pobre e negro.

O brasileiro pobre de modo geral só sente o quanto pouco ou nada vale para o governo e parte da sociedade quando a conta das suas misérias não podem ser pagas pelo bolsa família ou por um salário mínimo criminosamente mantido abaixo do que seria necessário para se comprar um cesta básica digna. Quando é espancado pela polícia no meio da rua, quando procura um hospital público e é tratado como um boi em um matadouro clandestino, quando vai prestar vestibular e descobre que é incapaz de ler um simples texto, quando é humilhado nas repartições públicas por algum servidor público que deveria ser o primeiro a zelar pela cidadania.

O inexpressivo ministro da justiça, porta voz da presidente Dilma, disse em Salvador que reservaria vagas em presídios federais para os PMs grevistas que cometeram atos de violência, realmente o que desejaria ouvir do porta voz da presidente é que os seis ministros demitidos por força da pressão da mídia não governamental também seriam levados para presídios e devolveriam nosso dinheiro roubado por suas taras criminosas de boa vida as nossas custas.

Eu tenho medo do meu país, sinto-me como aqueles escravos trazidos da áfrica, vivo sonhando com minha terra, um lugar no qual possa envelhecer, ser respeitado e cuidado em minha velhice, um lugar no qual a juventude não seja criminosamente ceifada sobre os olhares frios do governo, um lugar em que a polícia não seja usada como capitã do mato, que seja respeitada e nunca temida. Desejo um país diferente, não esse que quando a polícia comete excesso contra o povo não é punida e sim aplaudida pelo próprio governo, o mesmo governo que quis prender sua polícia violenta quando ela ameaçou o carnaval. Fazer uma greve e reivindicar melhores salários não pode, arrancar um olho de uma mulher pobre e negra com um cassetete pode.Como aconteceu com Almerinda Neves, 34 anos, no dia 22 de janeiro no Pelourinho em Salvador que teve o olho arrancado após ser agredida por um policial.

Se a morte da senhora que tombou com o filho nos braços fosse na Europa ou Estados Unidos eles mergulhariam em uma grave convulsão social e certamente o governador do estado seria obrigado a deixar o cargo, mas aqui é Brasil, a população tem a tola ideia de que aquela cena triste é só “ um fato isolado” que nunca vai se repetir, não há ao menos um sentimento interno de tristeza na maioria da população. Cadê o movimento negro? A UNE? Os movimentos estudantis? As centrais sindicais? Todos os movimentos sociais? Em que secretária ou ministério será que covardemente se escondem? Cadê os bravos deputados “ardorosos” defensores dos direitos humanos? Por que esse silêncio todo? Nenhum cargo ou posição dentro de um governo pode e deve ser maior que a vida de pessoa alguma, se há silêncio há cumplicidade com a dor e a barbaria. Na hora da sua dor todos esses deputados sindicalistas e falastrões que se dizem nossos representantes estavam em casa preparando o abadá para a maior festa “popular do planeta” financiada com o sangue dos nossos conterrâneos.

Contatos: http://cartasmentirosas.blogspot.com ou ediney-santana@bol.com.br

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