terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Flávia Paranaguá - Asfalto sobre nossa História

É com muita indignação que tenho visto as ruas de nossa querida Santo Amaro serem cobertas  por asfalto. Muitos vêem esse fato como um sinal de progresso, modernidade e evolução. E até fazem pressão para que ele chegue logo em determinadas ruas. Por outro lado parecem esquecer os maléficos de um asfaltamento. Ignoram também o fato de Santo Amaro ser uma cidade histórica, e como tal não poderia ser descaracterizada desta maneira. Cadê o Estatuto da Cidade? E os órgãos de proteção do patrimônio, como o IPAC e o IPHAN? E a população santamarense foi consultada para tal? Com certeza, não.
Não podemos assistir “bestializados” o apagar de nossa história. Projetos de saneamento deram fim aos trilhos onde Popó do Maculelê passava em seu trole ou bonde,a restauração do Paraíso também mudou as pedras tradicionais da ladeira que dão acesso ao casarão. O Aramaré (Carapiais), com sua fachada tão bela, agonizou até a “morte”, entre outros.
Agora é esse asfalto, um projeto extremamente impactante na cidade, que antes de ser executado deveria passar por uma audiência pública, onde questões deveriam ser debatidas com a população como: a durabilidade, a questão ambiental, o tráfego, a resistência e as possibilidades de manutenção, pois é assim que se exerce uma gestão democrática.
Além do motivo patrimonial do qual sou uma militante, muitos outros me fazem ser contra essa pavimentação asfáltica, como por exemplo, a questão da segurança. Ruas asfaltadas propiciam uma falsa sensação de conforto e segurança ao dirigir, que se reflete em uma maior velocidade, aumentando por sua vez o número de acidentes. Os motociclistas já andavam fazendo “pegas”, as “cinquentinhas” em sua maioria pilotada por menores que desconhecem as leis de transito, já andavam “avionadas”, imaginem agora?
Em tempos de sustentabilidade, não podemos deixar de fora deste debate os impactos ambientais. Por ser um derivado do petróleo o asfalto é altamente poluente, com o desgaste provocado pelo transito e o calor, ele solta fuligem que acabam indo para nossos pulmões. Asfalto alaga, impermeabilizando as vias, impedindo que a água das chuvas seja absorvida pela terra o que potencializa os casos de enchentes (esqueceram-se das cheias do Subaé?). Além disso, a água que se acumula sobre o asfalto acaba contribuindo na deterioração do mesmo, o que por sua vez aumenta o custo de sua manutenção. Pavimentação asfáltica esquenta mais a cidade, cadê a preocupação com o aquecimento global?
O engraçado é que a ornamentação natalina da cidade foi ecologicamente correta, tudo muito bonitinho feito de materiais reciclados. O circuito da festa da Purificação este ano foi mudado alegando-se tentar diminuir os impactos nos casarões.
Preocupação um tanto tardia, uma vez que a Praça da Purificação já passou por tantas intervenções, algumas bizarras, que muito de suas características arquitetônica e histórica foram desfiguradas ou totalmente perdidas. Por que não se teve uma preocupação maior com a instalação desse asfalto?
Cabe ainda, ressaltar a qualidade deste bendito asfaltamento. É possível, observar que em alguns lugares as camadas são tão superficiais que as pedras ficaram decalcadas. Para asfaltar é preciso todo um preparo e mesmo que a prefeitura quisesse fazer um serviço exemplar, ainda assim não valeria a pena, pois é da própria natureza asfáltica deteriorar-se em pouco tempo, assim sendo entraremos em um ciclo vicioso da manutenção (asfalto é caro e não renovável), envolvendo os recursos do município.
Já que a justificativa para essa troca é o fato do calçamento em alguns pontos se encontrar em estado irregular, uma alternativa seria intervenções corretivas. Deste modo, teríamos pavimentações com boas condições de trafegabilidade, conforto ambiental e por que não dizer um aspecto estético melhor.
Enquanto países da Europa estão retirando o asfalto e colocando paralelepípedos, aqui em nossa terra se faz o contrario. E ainda desrespeitam a Lei 10.257/2001, que institui o Estatuto da Cidade, que por sua vez estabelece diretrizes de preservação urbana e suas respectivas áreas de interesse cultural. Sua aplicabilidade permitiria uma gestão onde a preservação fosse vista também como uma forma de desenvolvimento e não como uma ação contraria.
Associar a preservação do patrimônio cultural e da memória social ao desenvolvimento urbano ainda é uma tarefa árdua. Não existe uma consciência preservacionista, a noção de pertencimento ainda não foi tomada, o que faz com que nossos patrimônios não sejam reconhecidos claramente como elementos de nossa própria identidade. Mas quando tento argumentar ainda ouço um: “vá pra lá com sua história”.
Por precaução passei a olhar quatro vezes antes de atravessar a rua.

Flávia Paranaguá
Especialista em Patrimônio Cultural

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